Drão e a expressão de Gilberto Gil
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"Sua criação apresentou altos graus de dificuldade porque ela lidava com um assunto denso - o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra [apelidada Drão - daí o título da música] - e para mim. 'Como é que eu vou passar tanta coisa numa canção só?', eu me perguntava. Além disso, havia a exigência de excelência, de que o versar tivesse capricho. Então demorou dias e dias de trabalho.
"Eu me lembro de estar sentado no chão, anotando frases no caderno, com o violão do lado, e de repente sentir o sufoco do coágulo da criação, e ao mesmo tempo a iminência da explosão da via criativa, e não aguentar, saindo dali e indo para o quarto me deitar e deixar, então, aquele coágulo se dissolver, criando filetes que se encaminhavam pra aqui e pra ali... Aí o cérebro e o coração entumeciam, algumas idéias fluíam, e dois, três ou quatro versos saíam. Satisfeito, eu fechava o caderno e ia embora cuidar da vida. Saía, passava o dia fazendo outras coisas, chegava de noite eu retomava; ficava a madrugada toda de novo.
"Outra exigência que eu me colocava era de não me precipitar. Eu queria que o fazer, a prática, o empirismo da realização fossem observados pelo meu ser ali à distância: eu tinha que contemplar o feitio da canção. Ao lado do esforço, da tensão concentrada, tinha que haver a descontração, o relaxamento concentrado - as duas coisas, e todas essas exigências sobrepostas determinando o modo de compor a canção.
"Fazer música é uma loucura quando você se coloca tantos problemas." Gilberto Gil